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sexta-feira, setembro 23, 2011

23 de setembro


"A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.

(...)

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

(...)

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera"

Cecilia Meireles

Em homenagem a minha mãe, Cininha, que completaria 66 anos hoje, e a minha avó, Sylvia, falecida há exatos três anos.

segunda-feira, outubro 05, 2009

Mercedes

"Solo le pido a Dios /
que el dolor no me sea indiferente/
que la reseca muerte no me encuentre /
vaca y sola sin haber hecho lo suficiente"
Deixo aqui minha homenagem a Mercedes Sosa, grande música e mulher latino-americana. Entre todas as qualidades que tinha, contava ainda com a capacidade de me fazer relembrar minha mãe, que amava suas canções e foi confundida com ela algumas vezes, vestida de índia peruana com seu poncho de alpaca, em nossas andanças pelo sul do continente.

sábado, fevereiro 09, 2008

Tempo


Hoje Antonio fez quatro meses de nascido.

Hoje fez seis anos que minha mãe morreu.

Passei o dia inteiro com a sensação agridoce de que a vida escorre pelos dedos da gente - e não se consegue reter o que se vai, nem deter o que virá.

Como essa ausência faz falta!, mas olhando pra Luiza e Antonio, o processo dói mas faz sentido. E é bonito ver mamãe renascendo tão nitidamente nessas duas criaturas que não conheceram aquela que seria a avó favorita de ambos, mas que trazem um pouco dela nas células e no jeito de ser e estar no mundo...

sábado, novembro 25, 2006

Um Mico Publicável

Fui intimidada por Leo a escrever um post sobre um mico publicável. Ah, tenho tantos. Já postei alguns aqui, como a história da cigarra. Pensei e repensei e agora me veio à memória dois miquinhos simpáticos, "de salão". Tá, são esses que vou contar... E repasso a missão pra Di, Debi, Gio, Raimundo e Tita, pra brincadeira seguir adiante...
Eu tinha uns quinze anos, era super tímida, e comprei ou ganhei uns óculos de fantasia, pavorosos, que resolvi mostrar à minha mãe. Ela, notoriamente gaiata, enfiou-os prontamente na cara e foi assim de Candeias ao centro do Recife (algo em torno de uns 20km), encarando as pessoas. Primeiro eu fiquei desesperada. Depois, comecei a achar engraçado. Por fim, tava doida pra aderir à idéia. E foi o que fiz, para mal dos meus pecados.

Foi só botar os óculos que, no mesmo segundo, Rogério, o professor de hidroginástica de mamãe (um gato, afemaria!) emparelhou o carro conosco. Eu fiquei roxa, azul, cor de rosa. Acabei estoicamente sem tirar o maldito apetrecho na cara, na esperança de não ser reconhecida ou passar despercebida.

Não tive tanta sorte.

Depois eu soube que ele andou perguntando se "a filha de Cininha tinha problemas". Até hoje, não sei se se referia à minha parte física ou mental...
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Uns dois anos depois, outro mico memorável: estava eu, alegre e flanando, numa calourada da UFPE. Eu era enxerida, andava pelo campus todo, tinha vários amigos a quem estava ansiosa pra encontrar. Aí, de longe, bati o olho em um: era Nando, que tinha feito educação física junto comigo e estudava engenharia (bicho doido e querido que tinha um fusquinha e me dava carona sempre, o carro lotado de homens e só eu de menina, todo mundo fazendo presepada e ele dirigindo com uma cueca enfiada na cabeça).
"Nando!", pensei feliz. E corri pra junto dele. Cheguei por trás já abraçando, encaminhando um beijo... e não era Nando.
O rapazinho quase-beijado pegou e falou: "Continue!"
Fiquei azul, gaguejei, pedi desculpa e me escafedi do local.
Cinco minutos depois, dei de cara com o próprio Nando. "Feladaputa, passei a maior vergonha por sua causa!", e contei o ocorrido.
Ele olhou o cara e ficou arretado: "Oxe, aquele é Rochinha, um cába feio da peste, como é que você me confunde com ele?"
Foi lá, chamou Rochinha, me apresentou oficialmente, rimos muito os três com a história, e no final eu ganhei mais um amigo.


quinta-feira, novembro 02, 2006

Dia de Finados


Ontem eu vi, num ponto de ônibus, uma senhora idosa de vestido estampado e tranças no cabelo carregando uma coroa de flores azuis de papel crepom fosforescente, com a inscrição saudade sem fim. Achei tão brega, e tão singelo, e tão engraçado e tão triste ao mesmo tempo, que não entendi imediatamente o que ela fazia com aquilo na mão. Até que caiu a ficha: dois de novembro.
As flores melodramáticas da senhorinha do ponto de ônibus me lembraram dos meus mortos que vão ficar sem visita, já que minha mãe materialista e minha avó extremamente prática não incutiram em mim o hábito de ir carpir minhas dores sobre as catacumbas, anualmente. E são muitas as perdas: vovô Zezé, vovô Oswaldo, vovó Nageca, Antonio Carlos, Jarmé, e minha mãe que me faz tanta falta que às vezes me sinto sem chão, sem alicerce.
Eu podia ir ao cemitério verificar se o mala-sem-alça que arranca vinte contos mensais do meu tio está efetivamente tomando conta das lápides de toda essa galera querida. Mas prefiro cultuar a memória deles de outras formas: celebrando o que deles continua existindo em mim e no mundo. E tentando enxergar, como dizia Gabriel García Márquez, que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Lembrança

Quando menina era um sofrimento, porque Papai Noel era invenção do capitalismo, o Coelhinho da Páscoa uma balela burguesa, e o Dia das Crianças, uma criação do comércio para vender brinquedos. Mamãe era linha dura: cortava meu cabelo curtinho pra não dar piolho, só me dava sandálias ortopédicas, e a minha vida inteira sonhei com uma calcinha bunda-rica, daquelas cheias de frufru de nylon, e ela só comprava umas lisas, feiosas, de algodão anti-alérgico. As mesmas calcinhas horrorosas e sapatos sem-graça que me dava no aniversário, ocasião em que proibia os amiguinhos de me levarem presentes.
Esta semana fui dar aula sobre a
indústria cultural para a minha turminha de Teoria da Comunicação. E a surpresa maior que tive, ao analisar a presença de marcas e etiquetas nas pessoas da sala, foi ver que nada em mim tinha uma razão consumista: escolho as coisas pelo que são, pelo material ou trabalho nelas contido, e não pelo nome pregado. Sorri e lembrei dela, das lições espartanas que me fizeram ser quem sou.
Não, minha mãe não chegava a ser um monstro: a qualquer dia do ano, se tivesse dinheiro e soubesse que eu queria muito um presente, ela me dava. E isso ajudou na construção do meu caráter, fazendo com que trocasse qualquer coisa por livro ou disco, e aprendesse a inventar os meus próprios brinquedos. Poucas mães conhecidas permitiriam que os filhos criassem sapos, como foi o caso do meu irmão e eu: além deles, tivemos cachorros, gatos, periquitos, galinhas, tartarugas, preás. As casa da minha infância tinham quintal, árvore, espaço pra correr, pra bulir. Uma delas tinha um mar verde e morno se descortinando à frente, terreno a ser desbravado pela criançada afoita, que não se preocupava com tarado, ataque de tubarão ou incidência de câncer de pele.
E para atenuar essa 'rigidez revolucionária', Gabriel e eu podíamos contar com nossos avós, especialmente Nageca, mãe de mamãe, que nos proporcionou a experiência da plena dádiva/permissividade. Uma vez, lembro de ter ido com ela à loja
Sloper, no meu aniversário, e sair de lá toda vaidosa, com três bonecas, uma bolsinha, perfumada e vestida da cabeça aos pés, e com um anel em cada dedinho das mãos. De outra feita, chegou no supermercado (num tempo em que os tais praticamente só vendiam gêneros alimentícios, vale frisar), deu um carrinho a cada um de nós, e falou: podem comprar o que quiserem. Essa permissão valia mais do que efetivamente levar a loja inteira; e no fim a gente levava só uns pacotes de biscoito, sorvete, chocolate - e eu, também uns sabonetes e uma colônia johnson, que é até hoje meu perfume favorito. Esses momentos perdulários faziam um bem tremendo à alma e eram o contraponto que a gente precisava pra sermos completamente felizes.
Hoje é dia das crianças e a menina que mora em mim não sente falta de presentes - esses eu quase nunca ganhava. Queria era ter cinco anos, andar pelada no quintal, ouvir Carequinha na radiola laranja, brincar de guerra de goiaba e dormir no beliche apertadinho, com medo do lobo que morava embaixo da cama e fingia que era chinelo quando alguém acendia a luz.

sábado, setembro 23, 2006

Mais um 23 de setembro


Tou precisando tanto de colo, tou precisando tanto de luz, tou precisando tanto dela. Procuro mamãe e só encontro os pedacinhos espalhados no mundo e dentro de mim. Já tem quatro anos que ela se foi, e a ausência dói do mesmo jeito, acho que não vai parar de doer nunca...
Os últimos dias estão sendo especialmente pesados, parece que eu entro numa espécie de inferno astral toda vez que o aniversário de minha mãe se aproxima. Quero tomar fôlego e não consigo, é muita coisa pra eu dar conta sozinha.
Ontem fui pra casa de Guida chorar e no meio da conversa sentimos um cheiro muito forte de lavanda. Tá, pode ser que alguma vizinha tenha aberto um vidro de perfume, de madrugada. Mas me confortou a idéia de que era ela, pertinho de mim.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Falando em supermercado...

Minha prima Dione quase me mata de rir e de ternura, ao relembrar o dia em que, aos oito anos, foi ao supermercado com o nosso avô Oswaldo e, ao se ver sozinha, preocupadíssima, anunciou pelo alto-falante que quem encontrasse um velhinho de cabeça branca, perdido, levasse ele até a administração.
Eu também tenho as minhas historinhas dentro desse ambiente, mas as presepadas do gênero me lembram imediatamente dela, minha mãe, que adorava esse tipo de programa e tinha um jeito peculiar de estar no mundo.
Uma vez mamãe botou o coitado do meu irmão adolescente para adiantar as compras no caixa, enquanto buscava outros produtos. No carrinho tinha um monte de pacotes de absorvente, e ele começou a ficar agoniado, vem logo, vem logo, sem querer colocar os ditos-cujos na esteira. Oxe, meu filho, que besteira é essa?, o modess não é seu mesmo?, disse mamãe bem alto, matando definitivamente o pobre de vergonha.
Outra vez, no estacionamento, um cara enfiou-se mais rápido na vaga em que a amiga dela estava tentando fazer baliza. E ainda saiu fazendo gozação do fato. Muito calmas, elas pensaram em furar o pneu ou riscar a tinta do automóvel, mas tiveram uma idéia melhor: fizeram meu irmão menor e o amiguinho, que estavam bastante gripados, assoarem o nariz pelo carro inteiro. Vidro, porta e, especialmente, maçaneta, foram cobertos por uma camada espessa de gosma verde. E elas rumaram pra outro supermercado, às gargalhadas, certas de que nunca mais o cabra ia se meter a besta com nenhuma mãe de família.
Uma das últimas peripécias foi durante a inauguração de uma megaloja em Boa Viagem. Ela adorava liquidações. Estava separando umas bermudas baratinhas pra um dos filhos, quando uma mulher mal-educada tirou algumas peças já selecionadas do carrinho (!) e, diante da reclamação evidente, grunhiu um problema seu ou guerra é guerra. Mamãe ficou quietinha, deu uma volta no corredor seguinte, e voltou sorridente: você nem precisava ser tão mal-educada, lá na frente eles botaram uma gôndola com bermudas muito mais bonitas do que essas que você me roubou. A dona, estupidamente, largou as antigas e correu pra conferir. Claro que era mentira, claro que mamãe enfiou as bermudas de volta no carrinho, e claro que se divertiu muito dando bananas explícitas pra vilã enraivecida, da fila do caixa, devidamente cercada por vários filhos preocupados com sua integridade física.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Feliz aniversário

Hoje seria o dia em que minha mãe completaria 60 anos, e a saudade parece que aperta mais. Não é porque ela era minha mãe – todo mundo costuma gostar e sentir falta da sua, se ela não está mais consigo – mas eu tenho certeza de que o mundo se tornou um lugar mais pobre, com a ausência dela.
Este mundo, pelo menos. Porque se existir um céu, se existir algo melhor e mais bonito do que isso aqui onde a gente vive, ela com certeza se tornou uma peça querida, importante e fundamental por lá. Mas mamãe não me abandona, de jeito nenhum: vive nas minhas células, na minha lembrança, nos meus sonhos, no meu coração.
Neste 23 de setembro, quero celebrar minha mãe, de muitas formas. Ir a um restaurante comer rabada, ou comida árabe, ou pudim de clara. Ou berinjela no azeite, que ela amava e eu aprendi a gostar tanto quanto, depois de adulta. Ouvir Paulinho da Viola, ou Nara Leão. Usar lavanda da Yardley. Cuidar de algum velhinho, pegar algum bebê no colo. Fazer bolo de banana. Ler Agatha Christie. Comprar vários tecidos coloridos pra fazer uma única roupa. Viajar. Ir a uma peça muito boa de teatro. Sair na rua sem rumo, só pelo prazer de ver o mundo. Conversar muito com algum desconhecido no metrô. Fazer as coisas bobas e cotidianas em que ela costumava entregar sua alma, e nas quais deixou sua marca, para sempre.
Tenho muitas histórias para contar de minha mãe, e isso me consola. Mas hoje, que é um dia especial, quero lembrar de uma cena cinematográfica que vivi junto com ela, que sempre soube enxergar o essencial das coisas e das pessoas. A descrição segue abaixo, junto com um beijo de aniversário e uma rosa branca.



Um dia fui almoçar com mamãe, no trabalho dela. Eu adorava fazer isso, porque além de vê-la, filava a bóia: ela pagava a conta do restaurante, que tinha uma das comidas mais gostosas de Recife. Fomos, comemos, conversamos. E eu fiz, como a maioria dos meus amigos já devem ter visto, uma rosinha branca de papel com os guardanapos em cima da mesa. Nessa época, ainda era uma novidade...
Mamãe achou bonito e saiu do restaurante, de flor na mão, caminhando comigo pela Conde da Boa Vista, que é uma das avenidas mais movimentadas de lá – o equivalente da Rio Branco daqui do Rio, talvez?


De longe, eu vi um grupo de meninas de seus dez, doze anos se aproximando. Sujas, mendigas, maltrapilhas mesmo. Mais de uma com um tubo de cola na mão. Liguei meu radar: atenção, perigo. Mamãe sempre teve a teoria de que as meninas cheira-cola são mais perigosas que os meninos – não sei se leu algo em algum lugar, ou se era pelo fato óbvio de que nós, mulheres, somos mais imprevisíveis e afoitas.
Aí, começou a cena de cinema. As meninas abriram um riso largo (não sei se alguma conhecia minha mãe, notoriamente visada por ter a mania de distribuir lápis de cor e brinquedos entre os meninos de rua, que conhecia pelo nome), e uma veio de longe cantarolando Roberto Carlos: “receba as flores que lhe dou, em cada flor um beijo meu...” Mamãe riu de volta, fez um gesto galante e entregou a rosa. Pra mim, já era suficiente pra lembrar a cena pelo resto da vida, mas ela não terminou por aí. Como se tivessem ensaiado, as sete ou oito meninas cercaram minha mãe e encheram ela de abraços e beijos. Eu fiquei de boca aberta, encantada com a explosão de amor.
Foi quando duas colegas de trabalho de mamãe, que também voltavam do restaurante, passaram se cutucando e apontando: “nossa, olha lá que horror, Nagicina no meio das cheira-cola”. Mal terminou de falar, a primeira linguaruda levou um murro na boca. Correram trêmulas e chorosas para o banco, lamentando a violência deste mundo perdido.
Nesse dia, minha mãe me ensinou sem palavras que a gente, normalmente, recebe o que dá.