terça-feira, novembro 28, 2006


Sensação horrível de que minha vida estagnou e eu só faço esperar. E é um esperar sem esperança. Não como se eu preparasse coisas, mas estivesse impedida de fazê-lo. Tenho tanto: minha casa, meu trabalho, meu amor. E ainda assim, não tenho nada, e me sinto tão vazia e tão sozinha que às vezes dá vontade de sumir. De dormir uma semana, um mês, o resto do ano. De comprar uma bicicleta e sair por aí, sem rumo. Tudo tão longe, se esvaindo entre os dedos. E eu, paralisada, sem tpm e com todos os motivos pra me sentir assim.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Theodora, presente de Deus


Esta semana, os cabelereiros Júnior de Carvalho, 46, e Vasco Pedro da Gama, 38, entraram para a história como o primeiro casal homossexual masculino a ser autorizado pela justiça brasileira a adotar uma criança. Na certidão de nascimento da pequena Theodora, 5, são os dois que agora respondem pela paternidade. No mesmo documento constam os nomes dos quatro avós paternos.A decisão da Justiça de Catanduva, a 385 km de São Paulo, deve abrir precedentes e servir de estímulo para que outros casais façam o mesmo.
Os cabeleireiros Vasco Pedro da Gama Filho, de 35 anos, e Júnior de Carvalho, de 42, são agora oficialmente pais de Theodora, de 5 anos. Além do reconhecimento, a decisão garante direitos à criança, como a guarda do outro pai no caso da morte de um dos dois. A juíza da 2ª Vara Criminal da Infância e Juventude de Catanduva, Sueli Juarez Alonso, que tomou a decisão favorável aos cabeleireiros, afirma que o bem-estar da criança precisa estar acima de tudo. 'Nós temos que nos desprover de preconceitos e moralismos hipócritas. Com o fato de a certidão constar o nome dos dois, ela (Theodora) está com o direito completamente garantido', afirma.
(Leia mais aqui, aqui e aqui)

sábado, novembro 25, 2006

Um Mico Publicável

Fui intimidada por Leo a escrever um post sobre um mico publicável. Ah, tenho tantos. Já postei alguns aqui, como a história da cigarra. Pensei e repensei e agora me veio à memória dois miquinhos simpáticos, "de salão". Tá, são esses que vou contar... E repasso a missão pra Di, Debi, Gio, Raimundo e Tita, pra brincadeira seguir adiante...
Eu tinha uns quinze anos, era super tímida, e comprei ou ganhei uns óculos de fantasia, pavorosos, que resolvi mostrar à minha mãe. Ela, notoriamente gaiata, enfiou-os prontamente na cara e foi assim de Candeias ao centro do Recife (algo em torno de uns 20km), encarando as pessoas. Primeiro eu fiquei desesperada. Depois, comecei a achar engraçado. Por fim, tava doida pra aderir à idéia. E foi o que fiz, para mal dos meus pecados.

Foi só botar os óculos que, no mesmo segundo, Rogério, o professor de hidroginástica de mamãe (um gato, afemaria!) emparelhou o carro conosco. Eu fiquei roxa, azul, cor de rosa. Acabei estoicamente sem tirar o maldito apetrecho na cara, na esperança de não ser reconhecida ou passar despercebida.

Não tive tanta sorte.

Depois eu soube que ele andou perguntando se "a filha de Cininha tinha problemas". Até hoje, não sei se se referia à minha parte física ou mental...
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Uns dois anos depois, outro mico memorável: estava eu, alegre e flanando, numa calourada da UFPE. Eu era enxerida, andava pelo campus todo, tinha vários amigos a quem estava ansiosa pra encontrar. Aí, de longe, bati o olho em um: era Nando, que tinha feito educação física junto comigo e estudava engenharia (bicho doido e querido que tinha um fusquinha e me dava carona sempre, o carro lotado de homens e só eu de menina, todo mundo fazendo presepada e ele dirigindo com uma cueca enfiada na cabeça).
"Nando!", pensei feliz. E corri pra junto dele. Cheguei por trás já abraçando, encaminhando um beijo... e não era Nando.
O rapazinho quase-beijado pegou e falou: "Continue!"
Fiquei azul, gaguejei, pedi desculpa e me escafedi do local.
Cinco minutos depois, dei de cara com o próprio Nando. "Feladaputa, passei a maior vergonha por sua causa!", e contei o ocorrido.
Ele olhou o cara e ficou arretado: "Oxe, aquele é Rochinha, um cába feio da peste, como é que você me confunde com ele?"
Foi lá, chamou Rochinha, me apresentou oficialmente, rimos muito os três com a história, e no final eu ganhei mais um amigo.


sexta-feira, novembro 24, 2006

"Amigo é o irmão que a cegonha entregou em outra casa"

Tou aqui, "brincando de definições", a pedido do Leprechaun...
Algumas que ficaram bonitinhas:
Felicidade - espécie de purpurina que cobre o mundo, quando faz sol dentro da gente
Alegria - momento em que cinco mil borboletas transformam seu coração em jardim
Sucesso - quando você tem na mão a última pecinha do quebra-cabeças
Riqueza - aquele muito que, mesmo sendo pouco, não cabe em seu coração
Vitória - o exato instante em que você descobre que o bicho-papão não passa de um guarda-chuva

terça-feira, novembro 21, 2006

A filha de seu Creisson


"Um, dôizi, trêizi, cáto. Parabénzi!"

segunda-feira, novembro 20, 2006

Meu afoxé preferido, comemorando o que há de negro em mim


Aprendi com a Matamba
a jogar capoeira e viver candomblé
Ser original, tocar berimbau e dançar afoxé
Meu corpo não nasceu para a senzala
Sou filho de Alafin Oyó, Xangô
A liberdade é meu axé de fala
Kawô kabiyèsílé, kawô!

...







Porque hoje é dia de Zumbi, e da Consciência Negra.
Porque ainda se difunde a falácia de que ser negro é sinônimo de ser feio, quando esteticamente é bem o contrário.
Porque eu encontrei um
site interessantíssimo com fotos de modelos brasileiros afrodescendentes.
Porque eu amo Elis Regina e concordo que
black is very beautiful...
Porque sim, hehehe. O post é pra olhar, e não pra explicar.

domingo, novembro 19, 2006

Luluca


Fim de semana familiar: sábado passei a tarde visitando minha afilhadinha Ana Beatriz e ouvindo Adriana Partimpim. E hoje, fui almoçar na casa de Gabriel, pra finalmente ver Luiza, depois de meses sem vê-la.
Ela já tem um ano e oito meses e fala praticamente tudo, num dialeto próprio. Conta até dez. Sabe quase todas as cores: adu, bêde, ósa, abédo - menos bebêdo. Ela conhece vários bichos, como popóto, zêba, ião, cacaco, auau e dáto. Ela gamou na minha bolsa - lembram da mala?
Luiza passou o dia inteiro dizendo "não", "eu télo" e "sai" pra mim, tomando tudo em que eu encostasse, fazendo bico e cara feia. Meu irmão tentou, mas não conseguiu tirar uma só foto de nós duas juntas. Só no elevador, no último segundo da prorrogação, é que ela botou a mãozinha pra fora e falou: "xau, titia". Como quem diz, "vai, pega logo o beco". Ou, numa hipótese melhor, "te liga e não demora mais tanto a vir me ver".

Geni, a formosa dama

Se tem algo que eu faria, caso me fosse dada a chance de entrar numa máquina do tempo, era ser mais próxima dela - Geni Balaban. Estudei com Geni os três anos do colegial. Mas ser amiga dela ia além das minhas forças: Geni era "A CDF" da sala, e quase como num filme de estudantes americanos, na escola a gente tinha papéis muito bem demarcados. Tinha a gostosa, a riquinha, a popular, o engraçado, o maluco.
Eu não era grande coisa: era a novata, a princípio, até que vieram outros novatos. Era a tímida. Era a gorducha, mas não era sequer a única acima do peso, na sala. Enfim, era um zero à esquerda tentando desesperadamente ser aceito. E ser amiga de Geni não ajudaria em muita coisa.
Ela era esquisita, ou pelo menos, a gente achava. Muito magrinha, muito branquinha, com uns óculos intelectuais pendurados na ponta do nariz. Nenhum menino queria namorá-la: era insignificante, feinha demais. Tinha mania de usar uma intejeição - "que chique!"- para se referir a qualquer coisa. Sua família não era das mais ricas e ela era responsável; por isso, estudava com constância, escrevendo com lapiseira hp em cadernos impecáveis que a turma inteira xerocava, na véspera das avaliações. Sentava na frente, alheia à risadagem e conversa do fundo da sala. Junto dela, um séquito de três ou quatro burrinhos que queriam ser sabidos ou, pelo menos, se beneficiar da rebarba de Geni, principalmente em dia de prova.
Eu sentia que no fundo era parecida com ela, mas na época minha maior preocupação era não me mostrar "CDF" e assim, ser aceita. Eu não queria ser ainda mais diferente dos outros do que me sentia. Para tanto, fingia gostar de coisas que não gostava, me sujeitava a companhias que não se interessavam por mim, não estudava e me abstinha de aparecer. E quando tirava notas boas, em português principalmente, o resto da turma não entendia como isso poderia ter acontecido. Quando passei no vestibular, com boa nota e na primeira tentativa, teve gente que se espantou.
Às vezes, eu trocava com Geni uma ou outra informação sobre livros que nem faziam parte da lista restrita da aula de literatura, e então ela sorria, meio divertida, me reconhecendo como um ET em meio à meninada inconsequente. Ninguém me acreditava como autoridade em coisa nenhuma, e isso por outro lado doía. Lembro do dia em que duas coleguinhas tiveram um acesso de riso porque eu disse que, da boca de ambas, saía um 'afluxo de besteira' - elas não conheciam o termo, e eu precisei da confirmação de Geni, que me lançou um olhar penalizado, do tipo, "elas não sabem o que fazem".
O tempo passou, e Geni se tornou apenas mais uma entre os mais de 40 coleguinhas que prestaram vestibular em 1989, e dela não tive mais notícia - a não ser pelo que me contou o Google: casou e ensina Pediatria, na Universidade Federal do Ceará.
Mas me consolo, quando penso nela, porque ao longo dos anos amadureci e nunca mais deixei de me aproximar de qualquer pessoa interessante que me aparecesse pelo caminho, com medo do que 'os outros iriam falar'. Eu mesma colei e descolei vários rótulos de mim, e não me preocupo mais em ser nada além disso. Já dá trabalho demais...
Pouco ou nenhum contato tenho com os meus colegas da época, aqueles cuja opinião era tão importante, e que eram tão diferentes de mim, e que nunca me aceitaram plenamente, apesar do meu desejo.
A vingança mais doce foi saber, anos depois, que no casamento de uma dessas coleguinhas - ao qual não fui, não lembro por qual motivo - Geni foi a grande sensação. Ruiva, poderosa, sorridente, com as curvas que só desabrocharam após os vinte anos todas evidentes num vestido colante preto, ela deixou os marmanjos todos babando por ela. E, apaixonada, e certamente melhor servida em termos tanto de carcaça como de intelecto, não quis saber de nenhum deles.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Ano novo chegando

Mandei a imagem acima pra Denise, do blog Síndrome de Estocolmo, pra participar de um mutirão de cartões de boas-festas. É um versinho de Renato Teixeira, de uma música chamada "Antônia". Desde já, feliz ano novo pra vocês!

terça-feira, novembro 14, 2006

Eternamente responsável

E foi então que apareceu a raposa:
- Bom-dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
(...)

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..."
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo (...) Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse mágica. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...


A raposa calou-se e considerou por muito tempo o prí­ncipe:
- Por favor... cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
-É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é um dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!


Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada!
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Quase sete mil!

Sem divulgação nem nada do gênero, estou prestes a completar sete mil visitas ao sítio, desde abril - que foi quando instalei o contador aqui. Como ele determina o local de acesso e o endereço ip da pessoa, resolvi premiar o felizardo que alcançar este número cabalístico. Ainda estou pensando no presente. Beijo pra vocês!

segunda-feira, novembro 13, 2006

Começando bem a semana

Don't worry, be happy...


In every life we have some trouble
But when you worry you make it double
Don't worry, be happy.
Don't worry, be happy now...

sábado, novembro 11, 2006

Mercado persa

Um dia arrumo dinheiro e compro um carrinho. Mas enquanto isso, vou me divertindo nos ônibus.
Acabo de voltar de Camaragibe (nos sábados de manhã tenho dentista, ninguém merece). É uma cidade da região metropolitana, a caminho dos municípios da Mata Sul onde tem maracatu, cavalo marinho, coco. É também uma espécie de 'portal de integração', você paga só uma passagem do menor valor (R$ 1,60) e sai baldeando pra outros ônibus ou pro metrô. Ir pra Camaragibe dia de hoje é aventura, o buzu tá sempre entupido, a partir do Terminal da Macaxeira (ponto de troca de ônibus). Mas tem cada figura, que vou te contar!
Tem dias em que vem um pastor evangélico, pregar a Bíblia e berrar hinos. No outro, um vendedor de sabonete de aroeira e banha de peixe elétrico. Minha amiga
Isaar uma vez pegou uma briga, porque os dois se encontraram no mesmo ônibus, e foi o embate da faca guinzo com a meia vivarina: apesar do vendedor ter entrado antes, o pregador se achou no direito de ocupar o espaço, como bom fariseu proprietário da palavra divina - inclusive, destratando o rapaz. Ela tomou as dores do injustiçado, e foi um pega pra capar.
Mas o que eu gosto mais é quando entram os cantadores.
Aqui em Recife sempre tem gente cantando nos ônibus - a começar por mim, como vocês devem lembrar. Alguns fazem disso meio de vida. Tem umas figuras lendárias, como um cara que "tocava saxofone" numa palha de coqueiro (juro, o som era igualzinho e ele se achava o próprio Kenny G) e foi parar em Jô Soares. E tem sempre os meninos que sobem, desfiando a ladainha "eu podia estar roubando carteira de mãe de família", mas antes dão sempre a palhinha invariavelmente desafinada. TÃO desafinada, que um dia um amigo interrompeu o garoto na primeira frase e falou: dou dez reais pra tu calar a boca. O moleque titubeou, mas o outro amigo mala-sem-alça que estava conosco começou a dar corda, você é artista ou não é?, e o resultado é que o cantor caprichou nos berros e ficou quase todo mundo insatisfeito - principalmente o amigo que tem ouvidos sensíveis e o menino-cantor, que ao passar a sacolinha não arrecadou nem cinco mangos - mas eu ri de quase chorar.
Pois hoje indo para Camaragibe, subiram dois emboladores, daquelas duplas tipo
Caju e Castanha. A gente é sempre meio obrigada a dar dinheiro a eles, porque senão tiram onda pesada. Tenho quase certeza de que um desses dois de hoje lembrou de mim lá do interior, por causa das palestras que andei dando: fez um olhar de reconhecimento, lascou uma quadra me chamando de 'professora' e 'doutora' e dizendo que eu gosto da cultura popular e tenho "mais de duas faculdades". Morri em cinco pilas, mas feliz, ele mereceu mais que os dez centavos do troco que a galera costuma oferecer. E aproveitei pra rir das presepadas que ele aprontou com os demais passageiros: disse que vai namorar com o cobrador, "no dia em que virar viado". Disse que precisa do dinheiro pra ajudar a avó, que "tá buchuda". Cantou a menininha do meu lado, dizendo que parece com Xuxa. Chamou uma dona de pirangueira e ameaçou, dizendo que se não ajudasse, o marido ia trair ela com a vizinha. Quando viu que não tinha jeito, lascou essa: "A mulher que não der nada/ vai levar quatro topada / quando do ônibus descer".

sexta-feira, novembro 10, 2006

Dado em casa


Alan tem uma coleção de dados, que usa pra dar aulas: triangulares, fosforescentes, coisas do arco da velha. Brincando com ele, disse que ia doar o parzinho aposentado de dados eróticos que ganhei num passado longínquo. Depois lembrei do motivo principal que me fez desistir deles para sempre: um dos bichinhos era viciado. Um marcava 'o que' fazer, e funcionava normalmente. O outro, o que devia dizer 'onde', sempre caía na mesma opção exibicionista: "de porta aberta".

quinta-feira, novembro 09, 2006

Completando o post anterior...


Eu não devia, mas em honra de Tárcio, que assim pediu, eu vou contar um pouco mais das presepadas pelas quais passei, vestida de Chapeuzinho Vermelho.

Escolher a roupa foi uma novela: pesquisei imagens no Google, comprei cetim pra capa e popeline pro vestidinho, corri atrás de costureira. O resultado saiu muito mais convincente que as outras quinze moçoilas trajando a mesma fantasia que vi perambulando pelas ladeiras de Olinda, sem despertar a menor comoção. Além das roupas delas parecerem estilizadas... bem, eu acho que elas não estavam na sintonia da fantasia, como eu estava.

E era muito engraçado: as pessoas iam se comunicando comigo, gritando na rua, tirando onda. E eu me sentindo e agindo como se fosse a própria Chapeuzinho, saltitando pelas ladeiras com uma cestinha cheia de balas ice kiss love de morango, com figurinhas de dizeres românticos encartadas.

A primeira providência divina foi me fazer perder de Eva, a amiga em cuja casa eu estava hospedada. Fiquei procurando em vão por ela, até cair a ficha de que as pessoas achavam que eu estava buscando... o lobo. Foi muito engraçado. Aí eu resolvi incorporar a personagem, de com força.

Os primeiros a não acreditarem na minha doidice foram os policiais de plantão. Passei em três delegacias móveis, procurando o lobo mau. Numa, disseram que não me preocupasse, que se ele aparecesse seria preso. Noutra, informaram que tinha sido levado pro Aníbal Bruno. O terceiro riu tanto que quase se engasga com a balinha que ofereci.

Saí feito uma maluca, pedindo informações a Deus e o mundo. Quase apanho de uma dona, no meio do Segurucu - só porque ao ouvir que o marido dela mora há mais de 20 anos em Olinda, resolvi candidamente perguntar se ele sabia onde era a casa da minha vovó. Arranjei vários candidatos a lobo: um bonitinho, declamou toda a música do disquinho de minha infância. Mas eu, magnânima, sem má intenção no meu coração, procurava por dentes, rabos e orelhas, e os rapazes não passavam no teste.

À noite corri pro Recife Antigo, em minha busca incessante pelo lobo mau. Emburaquei no banheiro masculino do Burburinho e espantei um francês que saía de lá. Expliquei por mímicas a minha intenção - saber se o lobo mau estava lá dentro - e um minuto depois, quando ele realizou o que eu estava perguntando, riu descontroladamente e me ensinou a cantar a musiquinha do país dele, falando em "Monsieur Le Loup".

O ápice da noite foi lá pelas 23h, na beira do cais, quando eu já tinha desistido completamente de encontrar quem eu buscava. Um lobo lindo, de olhos verdes, máscara amedrontadora, peito nu, veio uivando de longe, correndo em minha direção. Minha felicidade foi quase incontrolável. Pena que o lobo tinha uns doze anos e só se interessou em comer o resto dos bombons cor-de-rosa da minha cestinha.

terça-feira, novembro 07, 2006

Fantasias

... y que te acuerdes que eres un corderillo disfrazado de lobo (Mercedes Sosa)
Depois do post em que apareci com orelhas de gnomo, fiquei lembrando das fantasias que já vesti na vida. Nem foram muitas, minha mãe materialista e prática também não levava o carnaval a sério, e o resultado é que devo ter tido umas três roupinhas de festa na minha infância: índia, baiana e havaiana. E nem foto ela tirou, pra remédio!
Mas depois que cresci, e comecei a usar minhas próprias pernas e vontade pra rumar pra Olinda, eu mesma fui providenciando as fantasias. Um ano, aprendi a fazer máscaras de gesso e jornal, e moldei a cara da família inteira. Meu maior prazer sempre foi minhas próprias roupas, e em 2004 e 2005 juntei-me com Eva nessa missão. A casa dela virava nosso quartel-general, comandado pela mãe, Joanita, e suas mãos mágicas.
Em 2004 saí de borboleta amarela, envolvida de tule e lantejoulas. Ser borboleta sempre foi minha nem tão secreta vontade. O pai de Eva, João, tirou uma foto minha no meio de um canteiro de onze-horas que tem lá no quintal deles. E rumei feliz pra gandaia. Tá certo, não fiquei a mais delicada das criaturas, pela minha grandeza intríseca e falta de jeito explícito. Pra completar, misturei vodca e axé de fala, e deu problema. Entrei numa roda de pogo, num show de rock de uma banda de Peixinhos, lá na praça da Preguiça. Perdi uma das antenas no meio da dança, e seis meses depois fui apresentada ao vocalista da banda que fazia o show e ele lembrou imediatamente de mim (!). No fim de tudo, eu quis voar. E terminei o carnaval de pé torcido, botando gelo e rezando pra dor passar, na companhia de Evandro.
No ano seguinte, saí de Chapeuzinho Vermelho, fantasia postumamente registrada por meu irmão Gabriel num ensaio com o "lobo mau" Jink. Foi aí que definitivamente incorporei a tese que não basta inventar a fantasia (Eva adora coisas malucas, 'Origami Girl', 'Íris, a mensageira dos deuses', se inspira em carta de tarô e por aí vai). O bom mesmo é criar algo que os outros entendam e possam interagir.
Enchi minha cestinha de bombom, me perdi dos amigos e passei um dia antológico, sozinha, brincando em Olinda. Passei na frente de uma creche, e a criançada de olhos arregalados gritava por mim, explicando onde era a casa da vovó. Cantei a musiquinha da história aos pulos, saltando pelas ladeiras, de braços dados com um casal de gays alagoanos que viraram meus amigos de infância. Pedi informação em todos os pontos de apoio ao turista e delegacias móveis, e nenhum policial deixou de responder à pergunta "o lobo mau passou por aqui?" (as respostas foram antológicas). Falando em lobo, arrumei vários candidatos (e até briga com a mulher de um deles), mas atravessei o dia incólume porque sou, no fundo, uma menina boazinha - e tinha namorado. Enfim, ri muito e exercitei ao máximo meu lado lúdico - tudo o que a gente mais precisa e merece, nessa vida.

sábado, novembro 04, 2006

Cachorradas

Estava lendo um bestseller engraçadinho chamado Marley & Eu e fiquei triste. É que eu nunca tive um cachorro que fosse 'meu'. Convivi com vários mas, na verdade, sempre acabei possuindo um pouco, por tabela, os cachorros do meu irmão Gabriel, todos machos: Pinguinho, um pequinês que corria atrás das galinhas e foi roubado da nossa casa, ainda filhote. Paçoca, um miniatura pinscher que acabou sendo 'exilado' de casa. Barnard, um beagle que morreu aos 17 anos, velho como o cão. Jink, o labradoido atual. Uma única vez, nos idos dos meus oito anos, achei uma viralatinha preta dando bobeira na rua, levei pra casa, batizei de Xuxa - e a pobre morreu em três dias, mofina e triste, porque já estava irremediavelmente cheia de vermes.
Devo admitir pra vocês que ter um cachorro é um sonho secreto que vai e volta na minha cabeça, mas sempre descarto o plano: se eu não tomo conta direito nem de mim mesma, imagine de um cachorro! Ainda assim
interajo com os bichinhos, especialmente os viralatas - que refletem bem a minha essência.


Uma vez, na época de faculdade, saí debaixo de chuva do Centro de Artes e Comunicação da UFPE. Ia andando com meu amigo Alessandro e de repente dei um grito: quase pisei numa coisa escura e molhada, que achei ser um rato. Não era: era uma cadelinha bebê, desgarrada da mãe. Pensei comigo: se ficar aqui sozinha, na chuva, vai morrer. Enrolei a bichinha na toalha que trazia na mochila (era dia de educação física) e enfrentei um Candeias-Dois Irmãos lotado com ela no colo, fazendo gréia: por favor, dá licença, preciso passar com minha filha. Chegando em casa, minha mãe quis comer meu fígado, até que esclareci que não queria ficar com a coisinha, e que no dia seguinte arrumaria um dono pra ela. Aí mamãe sossegou e até ajudou a dar leite e mantê-la quentinha. No outro dia, fui cedo pra faculdade, me plantei na frente do prédio e perguntei a cada ser vivente do CAC se não queria levá-la pra casa. Acabei descolando um interessado, ao qual passei meses inquirindo sobre o estado de Neguinha, quando o encontrava de passagem. Com isso fortaleci, perante os olhos de Alex, uma imagem de sensível e humana que não descolou mais de mim, mesmo passados tantos anos.
De outra feita, estava voltando da UFRPE - de uma farra, certamente. Era quase meia noite, eu estava sozinha no ponto de ônibus, e uma viralatinha fêmea, raceada com cachorro-salsicha ('daschund'), parou, me encarou e ficou fazendo companhia. Largada, solitária, abandonada, a bichinha me comoveu até o âmago do meu ser ligeiramente alcoolizado. Quando o ônibus passou, zupt!, cedi ao impulso e carreguei a danadinha comigo. De tão semelhante a mim, batizei-a de Igual.
Igual tinha um cheiro horroroso, mijou na sala, chorou a noite inteira, soltou pêlos pela casa, roeu o pé da mesa e eu me desesperei e acabei trancando-a no banheiro. Em dois dias, arrumei um novo dono pra ela e pude suspirar aliviada. Estava livre, afinal...
O que não quer dizer que vou desistir da minha carreira de defensora dos oprimidos e da minha nobre intenção de ter um cachorro, um dia. Mas de preferência, antes quero uma casa com um belo quintal!

sexta-feira, novembro 03, 2006

Ricardo Reis

Tenho mais almas do que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.

O risco


O risco não é só um traço
É a distância entre um prédio e outro
A diferença entre o pulo e o salto
O risco é riqueza e asfalto a percorrer
Pode ser a pé
Pode ser voar
O risco é o bambo da corda solta no ar
Dentro dele cabe cálculo
Cabe medo e incerteza
Cabe impulso instinto plano
O risco é a pergunta te atacando ao meio-dia
É o preço do sonho pra virar realidade
É a voz das outras gentes testando a tua vontade
Aceitá-lo é saber que não existe
Estrada certa
Linha reta
Vida fácil pela frente
Mas que asa
Asa
Asa
Só ganha quem planta no escuro do braço
Essa semente de poder voar

(Maria Rezende)

quinta-feira, novembro 02, 2006

Contagem regressiva


Faltam 45 dias pro meu pretinho chegar.

Dia de Finados


Ontem eu vi, num ponto de ônibus, uma senhora idosa de vestido estampado e tranças no cabelo carregando uma coroa de flores azuis de papel crepom fosforescente, com a inscrição saudade sem fim. Achei tão brega, e tão singelo, e tão engraçado e tão triste ao mesmo tempo, que não entendi imediatamente o que ela fazia com aquilo na mão. Até que caiu a ficha: dois de novembro.
As flores melodramáticas da senhorinha do ponto de ônibus me lembraram dos meus mortos que vão ficar sem visita, já que minha mãe materialista e minha avó extremamente prática não incutiram em mim o hábito de ir carpir minhas dores sobre as catacumbas, anualmente. E são muitas as perdas: vovô Zezé, vovô Oswaldo, vovó Nageca, Antonio Carlos, Jarmé, e minha mãe que me faz tanta falta que às vezes me sinto sem chão, sem alicerce.
Eu podia ir ao cemitério verificar se o mala-sem-alça que arranca vinte contos mensais do meu tio está efetivamente tomando conta das lápides de toda essa galera querida. Mas prefiro cultuar a memória deles de outras formas: celebrando o que deles continua existindo em mim e no mundo. E tentando enxergar, como dizia Gabriel García Márquez, que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.

Ausência


Ele tinha um riso largo, bonito. A barba cerrada, olhinhos pretos rasgados. Era alto e tocava violão. Foi o primeiro cara que vi cantar blues na vida. Eu tinha 16 anos e tinha acabado de entrar na faculdade e era uma completa menina pra muitas coisas. Fazia Engenharia, enquanto eu estudava Jornalismo. Largou o futuro promissor de tecnólogo, prestou outro vestibular e foi fazer Letras. Estudava alemão, filosofava. Escrevia poemas malucos e desenhava coisinhas engraçadas. Tinha uma conversa mágica e fluida sobre temas que eu nem imaginava. Era gordinho, tinha um abraço gostoso. E a gente se olhava muito e sempre, dois tímidos que nunca ousavam se aproximar. Também, a vida era complicada: um só estava livre quando o outro estava comprometido. Mas eu tinha certeza que a gente ia namorar um dia. Eu conseguia enxergar três filhinhos e um cachorro no olhar doce que me lançava. Por causa dele, aprendi a ser afoita. A não esperar indefinidamente pela chance que a vida trará. Sempre lembro dele com melancolia, com saudade do que poderia ter sido: Pedrão morreu num acidente de carro, há dez anos. Muito tempo depois, uma amiga comum confirmou que ele era apaixonado por mim.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Cinco manias

*Este post atende ao pedido de Sean. Aproveito e intimido, digo, intimo cinco comparsas: Di, Debi, Lipe, Tita e Mandrey.
*** Falo olhando nos olhos. Faço sem querer, mas incomodo muita gente. Odeio quem fala sem me encarar. E sou tão infantilmente curiosa, que persigo as pessoas que acho interessantes, sem notar que pareço estar paquerando com elas, entre outras coisas.
*** Toco nas pessoas com quem converso. O toque varia, do alisado tão suave que levou um coleguinha de escola a me apelidar de 'alma', ao agarrado sem cerimônia que tenho com alguns amigos, que se aproveitam do fato pra me pedir cafuné e massagem no pescoço. Também adoro que peguem em mim. Ainda hoje, um ritual que tenho com minha avó é colocar o pé no colo dela, para que ela me cutuque.
*Adoro aprender atividades manuais, mas sou a mulher sem jeito que o pessoal do TV Pirata satirizou no quadro da revista "Faça Feio" (paródia da "Criativa" e "Faça Fácil"). Na verdade o que me encanta é dominar uma técnica nova, e mal o consigo, me desinteresso. Já aprendi ponto de cruz, encadernação, biscuit e uma infinidade de outras coisas. Quero muito saber costurar. Em casa tenho tinta, contas, papel, vários livros e revistas sobre assuntos variados. Só que nunca acho tempo de fazer o que pretendo.
*** Sou tarada por velhinhos, apesar de ter convivido intensamente com meus quatro avós - ou talvez por isso mesmo. Sou capaz de sentar horas junto de um avô alheio e arrancar dele histórias que ninguém da família imaginaria. Gosto da suavidade que alguns têm, acho engraçada a ranzinzice de outros. Sinto que têm um tempo diferente do nosso e entrar em contato com essa sintonia diferente me acalma e faz bem. Por causa disso mesmo, adoro crianças e elas costumam interagir comigo de imediato. Principalmente bebês.
*** Acho que no fundo sou meio índia. Odeio usar sapato, fico descalça sempre que posso. Amo tomar banho de chuva, enfiar os pés na areia da praia, olhar as estrelas do céu, sentir o vento soprar, nadar por horas a fio. E em casa, onde graças a Deus não tem nenhum vizinho que possa me espiar, danço sozinha e esqueço o relógio, a roupa e o mundo que vai além da minha porta.