sexta-feira, junho 30, 2006

Daiane


Eram cerca de dez crianças, moradoras da Ilha das Cobras, favela pertinho daqui. Quando vim morar em Casa Forte, em 1997, encontrava com eles sempre que ia a pé, fazer compras no supermercado. Me pediam dinheiro, 'uma pratinha só'. Nunca dava. Mas sorria e conversava sempre e, uma vez, para grande irritação do segurança do mercado, levei todos para a loja e comprei um pacote de biscoito para cada um. Pouco, mas o suficiente para morrer de susto, vergonha e alegria quando, uma vez em que me encontraram por acaso no ônibus, saíram gritando 'tiiiia', assobiando e batendo palmas e me abraçando, para horror e gáudio dos outros passageiros.
Deles todos, guardo a lembrança de Daiane, mestiça bonita de pele escura e cabelos claros, irmã ou prima da maioria dos mendiguinhos da região do Shopping Plaza. Tinha uns cinco ou seis anos nessa época, e um sorriso tímido devastador. Uma vez, encontrei-a mancando. "Que foi isso, menina?" "Ah, tia, eu ia passando e o cachorro me mordeu, tive até febre", falou, mostrando o pé machucado. Me preocupei. "Você tem que ir no médico, menina, tem que tomar remédio, cadê sua mãe?", disse eu, enquanto ela sorria, conformada, sabendo que doença de pobre tem que se virar sozinha. Tentou me tranquilizar. "Nem doeu muito, tia. E eu tive sorte, sabe por que? Essa chinela é da minha mãe e é novinha, ainda bem que ele mordeu meu pé". Fui embora quase chorando, pensando nessa menininha cujo pé valia menos que uma sandália havaiana: se danificasse o calçado, certamente ela apanharia da mãe, que só aparecia na rua de vez em quando, para verificar o apurado da filharada.
Pois ontem eu acho que vi Daiane. Ela sumiu desde esse tempo - também eu viajei, fui e voltei para esta casa onde vivo mais de uma vez. Nesses anos todos, acho que vi-a uma vez só de relance, os peitinhos de moça começando a despontar. A Daiane que vi ontem tinha nos braços uma criancinha de olhos grandes, que nem ela. Ela não me conheceu, ou não me viu: estava ocupada, alimentando o bebê. E eu não tive coragem de chegar junto para ter certeza, porque uma parte irracional de mim deseja muito que Daiane não faça parte desses índices horrendos que relatam nossa miséria e que matam o melhor da nossa alma, a cada dia.

terça-feira, junho 27, 2006

Inverno fashion em Gravatá



Ausência



Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente.

segunda-feira, junho 26, 2006

Acende uma fogueira no meu coração

Minha tia Miriam odeia esta época, diz que “forró nunca prestou pra nada” e fica “à beira de uma crise de ‘neuvos’ de só ouvir essa bosta de música de sanfona xoteira, de ver gente com os dentes pretinhos fingindo banguelice, de ver chitão e chapéu de palha”. “Eu quero rock!”, me berrou ontem ao telefone.
Mas eu acho o São João um tempo mágico, que só quem é nordestino sabe o que significa.
Começa envolvendo os sentidos: cheiro de milho assado, pamonha e pé-de-moleque, bandeirinhas sendo penduradas aqui e acolá, música tocando em todo canto e eu com vontade de dançar em pleno supermercado. Desde pequenininha, quando meu irmão de três anos enfiou a faca de serrar pão na minha canela porque não deixaram ele participar da debulha do milho da canjica, a idéia de que é uma festa coletiva se enraizou no meu coração.
Vejo símbolos. É a festa da colheita, da abundância, da fartura, que existe em todas as culturas desde tempos imemoriais. Junta a mãe Deméter com o pai Xangô, kawó kabiyèsílé!, o poder transformador do fogo, o calor, a regeneração, a fecundidade, a vida.
As comidas elaboradas são verdadeiras oferendas, se não aos deuses, mas à família a quem amamos.
As crianças enlouquecem com os fogos de artifício, e embora tenha medo e conheça os dados sobre os altos índices de acidentes, devo me confessar uma fascinada pela pirotecnia.
O friozinho convida a ficar junto, a dançar agarradinho esse forró nos iguala, nos funde. Já tive namoro começado por culpa desse encontro, da simbiose que a dança estabelece, e por essas e outras minha amiga Eva diz que é como transar em pé e recusa convites para forrozar.
E quando rola uma quadrilha improvisada, volto a ser criança. E a alegria é tanto maior quando experimento o indiferenciado, quando pego na mão de um desconhecido numa dança de roda, e me sinto fazendo parte de um todo muito maior do que eu possa imaginar.

domingo, junho 25, 2006

Estratégia


O nome dela é Andréa, e a conheci neste fim de semana. Amiga de amigas. Cara séria, achei que não tinha gostado de mim. Era impressão, e era o jeito dela. Através dela, redescobri a roda...
Era sexta, véspera de São João. Arcoverde fazendo um frio tremendo, a mulherada no hotel se preparando pra gandaia. Me vesti e revesti três vezes, porque uma não gostou da roupa, a outra achou que eu estava mal agasalhada, a terceira implicou com o laranja da blusa. Adoro que brinquem de boneca comigo, me sinto criança outra vez, hehehe.
Andréa olhou pra mim e soltou um 'prenda seu cabelo'. Achei graça, fui ao quarto, fiz um rabo-de-cavalo. 'Assim, não. Vá buscar uma escova'. Fui. Ela fez um 'pitó-pedrita' no topo da minha cabeça (e eu só olhava, aterrada). Depois, teceu duas tranças de raiz, puxou daqui e de acolá, e no final fiquei parecendo uma espanhola de filme. Terminou me abençoando, dizem que a danada é meio bruxa!
Sei é que fui toda graciosa assistir ao show do Coco de Raízes e do Cordel do Fogo Encantado. E a primeira coisa que me aconteceu foi encontrar um menino conhecido que passou a mão na minha trança e destruiu o penteado. Andréa soube e riu, misteriosa. 'Seu rosto combina mais com cabelo preso, deixe ele em evidência', insistiu.
No dia seguinte, ela repetiu a dose: mais hair styling, desta vez arrematando com fivelinhas em forma de borboleta, que sumiram todas nas mãos de três rapazes diferentes. O último encheu minha paciência, dizendo que meu cabelo é lindo e que eu jamais devo prendê-lo.
Aí eu cheguei junto da minha nova gurua e contei o que ele tinha dito. E entre risadas, ela me deu a luz: "Mariana, cabelo preso é fetiche. Você tem que prender justamente para que eles soltem"...

quinta-feira, junho 22, 2006

Fotolog

Abaixo, imagens da festa de sábado, tiradas pelo fotógrafo Glauco Spíndola. São cinco, "pinçadas" entre 140 que estão expostas no sítio de Maciel Salu, mostrando como foi o Festejo do Samba, em Tracunhaém. Posto aqui com um beijo pra Sean, que andou visitando meu sítio e precisa vir aqui um dia conhecer estas riquezas.
Teve caboclinho...
Teve maracatu...
Teve samba de coco...
E teve ciranda.

Onde está Wally?


No meio da gandaia, lá estou eu. Vejam se me acham... Ê, vidão! ;.)

segunda-feira, junho 19, 2006

Sem noção

É, tou me superando. Quinta-feira perdi o celular, as chaves de casa, 70 pilas e uma bolsinha linda de estimação, feita pra mim por Joanita, mãe de Eva. Fui forrozar com os alunos em Caruaru e dei bobeira, carregaram tudo. Ainda dei o vexame de chorar e preocupar Marcinha e Gabi. Um galante cavalheiro caruaruense, Konny, me levou até em casa (eu não tinha dez centavos no bolso). A idéia era passar o findi lá, mas morguei e na sexta voltei pra casa. Perdi o contato da maior parte dos meus amigos...

Sábado a produtora de Maciel Salu, Carol Senna, me arranjou uma vaga na besta que ia levar a galera pra participar de uma sambada e lá fui eu de graça rumo a Tracunhaém, junto com os músicos e uma pessoal que ia fazer a filmagem. Puta programa de índio que eu AMEI! Saí pra ver a cidade com duas namoradas de músico (as únicas que, como eu, não tinham trabalho pra fazer), vimos a praça, as estrelas, e uma igrejinha linda, lá aberta... e entramos... e estava tendo um velório! Que vergonha! O produtor musical do grupo passou a noite zoando, dizendo que apagamos as velas e cantamos parabéns pra você! Cheguei em Recife de manhã, cansadíssima; mas feliz de tanta ciranda que dancei com as crianças e os bêbados locais (ninguém mais se atrevia, só eu, que apesar de não ter ingerido álcool tenho algo em comum com as duas categorias).
Ontem fui assistir ao jogo do Brasil com Tarta, que fazia aniversário. Lá fui, no meio de um monte de gente desconhecida, comi sarapatel, esbravejei contra Ronaldo... E aí de repente eu e Cecília notamos que eu tinha saído com a roupa pelo avesso. Meio roxa, fui no banheiro, desvirei... e Fred fez um gol. Acho bem provável que eu tenha tido alguma contribuição nisso! Hehehe.

quinta-feira, junho 15, 2006

Dança, Mariquinha


Dança, dança, Mariquinha
Para o povo apreciar
Essa boa mazurquinha
Que pra você vou cantar
Ouça, meu bem,
A sanfona tocar
Quitiribom, quitiribom,
Toca no baixo desse acordeom
Quitiribom, quitiribom,
Que mazurquinha
Que compasso bom
Quando pego na sanfona
A turma se levanta
E pede uma mazurca
Quando bato a mão no fole
Sei que a turma toda
Vai ficar maluca
Todo mundo se admira
Do fraseada que a sanfona diz
Quando acaba a contradança
O povo admirado ainda pede bis

Quintana revisitado


(Por Leandro Dóro)

terça-feira, junho 13, 2006

(Comecei terapia)


"É preciso a angústia de ser um caos para dali gerar uma estrela"
(Nietzsche)

segunda-feira, junho 12, 2006

Valei-me, Santo Antônio!

Pois hoje é 12 de junho e eu tou aqui mais uma vez sem namorado. Vou seguir o exemplo de minha amiga Thatá e 'emborcar' Santo Antônio, que até hoje tinha sido bem tratado e apesar de tudo fez a sacanagem de me deixar sem namorado neste dia por três anos seguidos. Então, agora, vai ficar de ponta-cabeça até arranjar alguém legal, que me complete - perfeição não existe, mas xô, malas na minha vida! E meu santo, pelamordedeus: namoro à distância não! Os dois últimos relacionamentos sérios que tive foram assim e, embora tenha um carinho imenso pelos dois rapazes, não dá pra dar beijinho e cafuné de longe! Quebra o galho, meu santinho; senão daqui a pouco, eu vou ser obrigada a arrancar lasca do seu pau...

*** NOTA: Hoje é 20 de outubro e resolvi 'desemborcar' o santinho porque a vida me fez enxergar que, apesar de estarmos longe um do outro, eu gosto mesmo é do menino que deixei no Rio, em janeiro, e com quem nunca deixei de namorar. Meu Santo, obrigada pela paciência. Querendo ajudar a gente a ficar realmente juntos, eu vou lhe agradecer encarecidamente! Hehehe.

quarta-feira, junho 07, 2006

Fotolog


Farra boa, sábado passado: Ju, eu, Claudinha, Martinha e Dudu no aniversário de Derick. Abaixo, o aniversariante e a mulher, minha amiga Dani.

sábado, junho 03, 2006

Da alegria

Uma vez, anos atrás, comprei um livro americano com ‘365 dicas de sexo’, que acabou virando motivo de piada e sendo folheado por todos os amigos que passaram lá por casa. Pode ser diferença cultural; mas nenhuma idéia me atraiu e uma das mais inúteis que apresentava era como xingar o parceiro.
Quem me conhece sabe: sou uma tremenda boca-suja. Mas aprender num livro como falar palavrão na hora h, sinceramente, me chocou, no sentido de não fazer o menor sentido. Bom, de acordo com os poucos filmes pornôs que me dignei a assistir até hoje, eles chamam por Deus e por Jesus na hora do orgasmo – definitivamente, uma lógica muito diferente da minha...
Sexo pra mim não é algo sujo – é lúdico. A coisa que mais gosto de fazer na cama é rir. Não rir de, mas rir com. Não rio porque é engraçado, mas porque é um sinal de cumplicidade. Eu realmente volto a ser criança nessas horas. Olho sem medo. Toco de um jeito esganado, querendo tudo. Me aconchego, fico feliz. E a risada que eu dou é a mesma que dava quando era menina, diante de um brinquedo bonito.

sexta-feira, junho 02, 2006

Amar


"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura"
Guimarães Rosa

quinta-feira, junho 01, 2006

Adivinha


O que é, o que é? Que vem recomeçando depois de concluído, que aquece a alma e o coração, que me faz dar três interurbanos num dia só, que me faz rir feito boba vendo o celular tocar no meio da aula, que me faz sair correndo e quase chorando do supermercado ao ouvir tocar Frejat e Legião - seguidos, se é que existem coincidências? O que é que nunca se acaba, por mais que se termine? O que é que mexe com a gente, mesmo que a gente não queira? O que é que transforma as nuvens em travesseiros e derrama purpurina no ar? O que é que satura o mundo de cor e faz tudo mais bonito de se ver? O que é que dá vontade de fechar os olhos e mergulhar bem dentro de mim?