quarta-feira, setembro 24, 2008

Sua benção, vovó!


Nos últimos tempos, os olhos de dona Sylvinha já não percebiam direito o mundo em que esteve durante quase um século. Era menina de novo: após o cansaço de tanta vida, podia se admirar com o novo-velho de cada dia e se esquecer de muitos percalços. Chance de tocar La Cumparsita no teclado e se sentir mais próxima da mãe, do pai, da irmã, de uma época em que recitava Castro Alves e não pensava que eles partiriam tão cedo. De sentar na cadeira da varanda e ver seu amado Oswaldo chegando pra almoçar, na figura de qualquer senhor de cabeça branca que passasse pela rua. De retornar a um tempo em que precisaria de pelo menos duas mãos para enumerar a prole. De simplesmente ficar feliz com a visão de qualquer criança, sem se importar em saber se filho, neto ou bisneto. E nós, sua família e seus amigos, nos entristecemos de vê-la tão frágil, tão aparentemente desprotegida. Mas ela nunca foi fraca: foi por conta de uma força prodigiosa que sobreviveu a uma série de perdas avassaladoras ao longo da vida, superando inclusive doenças graves. Mesmo com medo, mesmo precisando de apoio, mesmo se reconhecendo despreparada para várias das missões que precisou enfrentar, seguiu em frente. Sua vida foi um testemunho de fé e simplicidade, de valorização da família e do próximo. Tinha o pavio curto e a grandeza de se arrepender sinceramente de seus erros. Tinha defeitos e qualidades, mescla complexa que resultou em alguém que soube ser filha, mulher, mãe, avó, bisavó. Por isso, nós a amamos. Por isso, ela continuará conosco, entranhada na carne e na alma. Perene, serena e íntegra, como esteve e partiu deste mundo.